Eu lhe dou as boas vindas, Parte-de-Mim. Abro todas as minhas portas – antes trancadas de medo – para que entre o sol, o ar renovado, os movimentos da brisa, e você.
Para que você chegue com seus cabelos feito labaredas, que encimam ombros eretos e confiantes – que só tem os que estão alinhados com o Eu Profundo. Me abro para que entre o Todo, o Completo. E quero que você seja avisada logo ao chegar, Parte-de-Mim, que cada pedacinho seu é bem-vindo, nenhum será vagamente considerado inadequado ou visível demais.
Venha com a paixão que lhe é característica, o riso fácil, e a mania de sempre ver – e apontar, tornando consciente – o que os outros precisam ver. Venha com a intensidade que é sua marca, traga-a sem medo, pois lhe garanto que nunca mais será apontada como razão de nenhum infortúnio. Pelo contrário, será honrada como aquela que beneficia o mundo através dos tons fortes, dos planos e sonhos ambiciosos, das novas ideias sempre, e outra vez e outra vez ainda, ideias. Aliás, venha com a sua criatividade abundante, que povoa sua casa, seu mundo e o mundo todo com belezas, e movimentos inéditos e inesperados. Venha com sua inquietude – garanto-lhe que não será confundida com ansiedade ou com o desassossego dos que não sabem ser gratos pelo que já está disponível e presente. Venha, aliás, com sua mania de novas rotinas e hábitos, e não esqueça de trazer sua curiosidade e sua pergunta:
– “Como posso beneficiar o mundo com isso?”
Venha com o seu empreendedorismo inquieto e o enjoo quando o Novo se torna Velho e você começa outra vez a perseguir o Novo.
Venha, Parte-de-Mim, e traga seu jeito de seduzir a todos com sua voz, sua inteligência e o movimento gracioso de seu corpo e suas belas mãos.
Venha, Parte-de-Mim, e traga o vinho tinto, a disposição para boas e profundas conversas, e não esqueça de manter o coração aberto, para ser mostrado sem medo.
Eu na Sabedoria-da-Idade, você na impaciência da juventude, faremos uma dupla esplêndida!
Eu com minhas Partes Curadas, Recuperadas e Velhas, e você com o frescor, a inocência e a coragem da Essência.
Juntas no único lugar que acolhe a ambas – o Coração – haveremos de encontrar um ponto medial onde seremos Uma. A paixão, a intensidade e a correnteza feroz e rebelde que lhe habita e que abri mão em nome de pertencer e ser aceita. Haveremos de – desde este ponto medial do encontro – abranger o tudo que somos. Venha, querida Parte-de-Mim, venha ao meu encontro. Só hoje percebi a falta gigante que você faz! Só hoje percebi o abismo da sua ausência nesta vida-com-o-mínimo-de-riscos que escolhi. Só hoje percebi que tinha deixado você fora de mim, por que me convenceram (e eu permiti) que a paixão, a sensualidade e a criatividade eram falhas de caráter a serem corrigidas e não as matrizes que compõem o tecido de minha Alma.
Na tentativa de pertencer e de não sofrer, me “despertenci” de mim mesma. Lhe deixei trancada numa gaiola, como faziam as famílias-de-bem com as loucas, passionais e poetizas de antigamente. E passei por cima da falta que você me fazia e – com esforço, trabalho e ilusões diversas – esqueci você. Mas hoje lhe convido a voltar e ocupar seu lugar no Centro-de-Mim. A reassumir o pulso profundo da minha vida – a deixar de ser um rio subterrâneo e ganhar a superfície, à vista de todos: cabelos em chamas, coração rebelde e valente.
Sim, sim, você tem razão – tenho medo de você e o que você fará com meu mundinho tão artificialmente arrumado. Tenho medo que você ocupe os cômodos bem decorados e frios da Casa-do-Meu-Coração e os inflame de luz, cores e mude tudo de lugar. Que – quem sabe – destrua todos os lugares-hábito tão ciosamente construídos – sempre – para pertencer, ser aceita, não sofrer as “consequências” de seguir um Coração-Louco-E-Apaixonado.
Tenho medo que você chegue e bagunce as estruturas do que construí ao meu redor e me mostre o quanto eram ilusórias estas paredes limitantes. Tenho medo até que você me prove – por A + B – que não há de fato limitações ou paredes, e que posso simplesmente abrir as asas e voar para onde as correntes de ar da Vida me levarem.
Tenho medo que você chegue e ria dos meus planejamentos e mapas, e – com alguma rudeza – me diga que não há caminhos pré-definidos, apenas um Fluxo e que este sim é o verdadeiro mapa.
Tenho medo que você me coloque nos braços de homens estranhos e fascinantes, e que me devolva a capacidade de me apaixonar. Pior: que me mostre que – de fato – nunca perdi esta capacidade da paixão imensa, inflamada e descabida.
Sim, sim, há o medo.
Mas o desejo de lhe ter de volta, Parte-de-Mim, é tão maior do que ele. É também um movimento de sobrevivência, por que morri um pouco a cada dia destes longos anos sem você.
Então, venha! Sem receios de ser rechaçada ou banida. Prometo – prometo! – olhar com desconfiança quem diz a nosso respeito: “demais”, “muito intensa”, “excesso de ideias”, “agitada”, “não para nunca!”. Prometo-lhe, Parte-de-Mim, olhar estas pessoas sem raiva, soberba ou julgamento. Olhá-las no silêncio de quem reconhece que aquilo pode ser uma verdade para elas, mas não é para mim. Prometo não me identificar, não validar e não permitir.
Você é minha MELHOR parte, por que você é o meu TODO, a minha ESSÊNCIA, o meu PRESENTE para o mundo.
Venha de volta a paixão, a intensidade e o Fogo que você carrega. Vamos ser como a lava dos vulcões, que na sua intensidade explosiva forma novas ilhas, novas terras, novos continentes.
Venha, preciosa Parte-de-Mim. Já vivi tempo demais sem a sua perspectiva inusitada das coisas.
Somos o que somos e justo assim – sem tirar, nem por – contribuímos para a diversidade do mundo!
CLER…
Meus olhos em lágrimas e soltando risadas ao longo de todo o texto!
Grata por ter escrito esse texto, por ter trazido ele para o mundo. Foi uma cura… foi uma confirmação e uma libertação.
Cada vez mais sinto que essa sou eu e seu texto chega no momento exato.
Ontem enquanto dialogava com minha mãe pelo WhatsApp ela me disse pela MILIONÉSIMA vez, com muita ênfase e emoção: VOCÊ MUDA DE IDEIA TODA HORA, VOCÊ NÃO FIRMA EM NADA!!!
E eu pela primeira vez gravei um áudio de 6 minutos e dentre ele eu disse com muita calma e afeto por mim e pelo meu jeito de ser: Mãe eu sou uma curiosa pela vida, eu gosto de experimentar, de sentir e ir e voltar para o meu lugar e talvez descobrir novos lugares, de conhecer pessoas e de repente conhecer novas pessoas e já não conviver com as primeiras e assim com tudo. Essa sou eu.
GRATA CLER !
GRATA !
Fico tão feliz que ressoe para você, Sarah. Obrigado por comentar e pelas lindas palavras!
Obrigada por me lembrar dessa minha parte e pra não me demorar onde teria que diminuir pra me adequar! Em boa hora, Irmã! Corações selvagens entenderão!
Entenderão, irmã! Beijos
Lindo e apaixonado texto, querida Cler! É tudo o que quero no momento, resgatar essa parte de mim que acabou se moldando aos padrões para sobreviver. Já estou no caminho e eu e minha parte temos tido alguns encontros. Que ela venha para ficar! 🙂
Maravilhoso, querida Leda. Que venha!
Querida Cler que despertar para mim,chega de viver sem a Parte_de_mim,estou em lagrimas,quando vc descobre algo tão maravilhoso pra tua vida agente chora de felicidade,beijos no teu coração!!!
Querida Cleuza, como diz a autora Clarissa Pinkola Estés em seu livro Mulheres que Correm com Lobos: o que buscamos também nos busca e um dia se encontram. Seja benvinda!
Pois, sim . Você escreveu isso em junho e só me apareceu hoje, 11/10. Ontem e hj, por algum motivo, estou num processo interno intenso e este texto, mais um sonho que ainda estou processando, me cai perfeito. Dá medo e por isso também fugi dela, também me organizei e programei. E também sinto falta da rebeldia, dos ideais, do novo sempre chegando. Que venha!
Que venha, Silvia!
Esse texto chegou pra mim como um tesouro! Gratidão Infinita!
Que bom que serviu para você, Maria da Conceição!