Lightning

“Onde há medo, há poder”

(antigo ditado da tradição Wicca)

 

Para quem anda envolvido na caminhada espiritual ou de auto desenvolvimento, o medo é sempre colocado como o grande vilão, que impede a expansão, que adormece a coragem e coloca água no fogo da vontade ou da paixão.

Concordo que o medo paralisante faz tudo isso. É gelo, cabelos hirtos, respiração curta e atolamento num mar de dúvidas.

Mas tem o medo que é o aliado e o guardião dos processos de avanço e crescimento maduros e bem sucedidos.

Em meu ponto de vista ter medo não é problema, pois todos sentimos medo em menor ou maior grau. É como nos posicionamos diante do medo é que faz toda a diferença.

Vamos criar uma imagem: se vamos fazer montanhismo num local que nunca antes estivemos ou mesmo estamos recém começando a praticar, nossa conduta é a de quem sabe que não tem uma rede de segurança embaixo e temos MEDO de cair. Isso nos faz cuidadosos em cada lugar que colocamos as mãos e pés. Esse cuidado nos faz observar antes de avançar, sentir a firmeza do novo lugar antes de tirar o pé ou a mão do último. Esta atenção focada, grudada no instinto, nos faz avançar num ritmo que seja confortável para o nosso corpo e que nos permite “negociar” com nosso medo de cair. Conforme vamos conhecendo melhor o caminho ou quando o repetimos uma segunda ou terceira vez, já nos sentimos mais seguros, o medo diminui e avançamos mais decididos e velozes. Mas, veja bem, avançar mais decididos e velozes só foi possível porque o medo nos fez ir num ritmo mais titulado. A prudência nos fez avançar mais lentamente, avançar lentamente nos fez conhecer melhor o caminho, conhecer melhor o caminho nos permitiu avançar sem medo de uma próxima vez. Se não tivéssemos respeitado o ritmo que o medo impôs, poderíamos ter avançado com muito audácia e termos sido derrotados pelas dificuldades do caminho. Da próxima vez que o percorrêssemos, teríamos que lidar com o medo da situação + o medo da experiência anterior que foi mal sucedida. Neste caso, o percentual de risco de um novo fracasso aumenta. Se o fracasso acontece novamente, então de uma próxima vez teremos que lidar com o risco do caminho + o medo de duas OUTRAS experiências mal sucedidas. Sim, porque a mente EMPILHA e coloca os fatos na mesma “categoria”.

Vamos aplicar a imagem da montanha onde praticamos montanhismo nos relacionamentos amorosos, por exemplo. A cada vez que nos machucamos, na próxima possibilidade de relacionamento temos que lidar com o empuxo para frente do interesse e da paixão, e do empuxo para trás que as experiências de sofrimento anteriores nos deixaram. Neste caso, ir num ritmo mais lento, que dê o tempo para os medos irem se diluindo e até que os “núcleos firmes e seguros” sejam encontrados, é previdente ir mais devagar. O problema é quando o MEDO não é um cuidado, uma atenção focada e uma menor velocidade, mas vira PARALISIA e impossibilidade. Quando o medo é tão gelado, que congela a vontade, congela a paixão e põe a pessoa tão defendida, que o relacionamento não flui.

E isso pode ser aplicado a muitas outras áreas de nossa vida.

O medo tem uma FUNÇÃO: proteger-nos dos perigos. Ter medo de altura, de animais peçonhentos, de correr demais com o carro, de alimentos que possam estar envenenados e outros perigos maiores ou menores, é a função biológica do medo – assegurar nossa sobrevivência. Nosso sistema é muito bem desenhado, tudo tem uma função bem clara e útil. O problema é quando este medo impede de subir uma linda montanha ou visitar um amigo que mora num morro íngreme, nos impede de usufruir da natureza relaxados, curtir a paisagem quando viajamos, não comer fora de casa e por aí vai. O medo que é constrição – e ele sempre é, vira problema quando não conseguimos “negociar” para navegar em todas as possibilidades que a vida está nos apresentando.

Quando o medo está cumprindo a sua função de proteção e é só aquela voz baixinha do nosso animal humano que aprende com a experiência, ele ocupa o lugar de Guardião de nossas Partes Sábias.

Mas, temos que olhar o outro lado da moeda: o medo que é um sentimento espaçoso, e a nossa mente, “aquela-que-empilha”, se adoram! Veja se você reconhece este diálogo:

Você – que barulho é este lá embaixo? (Uma ponta de medo, os cinco sentidos em alerta, nosso cérebro reptiliano entrando em ação para apresentar as respostas de luta e fuga.

Sua Mente – só pode ser um ladrão.

Você – parece mais o gato que derrubou o pote de ração.

(segundos de silêncio)

Sua Mente – parece mais um ladrão, parecia o barulho de um vidro quebrado. Nesta altura, já está dentro de casa.

Sua Mente – e hoje você está com seu salário em casa e deixou o computador novo em cima do sofá. É claro que é um ladrão.

Sua mente continua até você ter certeza – absoluta! – que é um ladrão e já começa a fazer o cálculo dos cenários possíveis. Os piores, porque é sua mente aditivada pelo medo e a milhão por hora.

Quando você já não aguenta o suspense, toma coragem e vai até a cozinha esperando a morte certa, apenas para confirmar que o barulho era mesmo do gato que derrubou o pote de reação!

Pior do que isso é o medo do amor, dos relacionamentos. Aquele medo básico de todo ser humano – não ser bem recebido, não ser amado, não ser aceito. O medo do envolvimento é endêmico numa sociedade onde se vive cada vez melhor sozinho, onde estamos centrados – saudavelmente ou não – em nossas próprias necessidades.

O medo do amor e de arriscar-se a envolver-se novamente é o que nos impede de viver o que as experiências anteriores nos ensinaram. É tirar o medo do lugar de Guardião e colocá-lo no lugar de Carcereiro. É esquecer que os avisos que deixamos no caminho para nos lembrar onde caímos é para que estejamos atentos para não cair de novo e não para nos afastar para sempre da estrada. As caídas servem para que a dor nos impulsione a mudar padrões e dinâmicas relacionais.

Quando o Medo vira o Senhor Medo ao invés do amigo sábio que diz “vai com calma!”, nos fechamos em castelos altos com pontes levadiças e fossos infestados de crocodilos.

Um dos mais altos e fortes muros erigidos pelo medo que paralisa e que é a desculpa número um para não nos arriscarmos no caminho é a agenda. Nos enfiamos em tantas atividades interessantes – especialmente de auto-desenvolvimento – que não sobra um mísero tempo para a velha arte de arriscar-se nos relacionamentos. Nossa vida fica tão interessante (e segura!), os caminhos tão individuais e, portanto, sem riscos, que o medo de relacionar-se fica lá escondido e disfarçado em falta de tempo.

Falta de tempo!!! A mais infame de todas as desculpas que nos damos para que nossa vida fique segura. E assim o medo que é o Guardião de nossas Partes Sábias, fica relegado a um mero Guarda do Castelo.

Depois de todas estas palavras, deixo uma dica: se você sentir muito medo, ralente, diminua o ritmo e comunique a quem interessa porque está fazendo isso, mas NÃO PARE! Mesmo que você avance a passos de tartaruga, pelo menos estará se movendo em direção ao que lhe desafia. Sair da segurança do conhecido e se arriscar em caminhos novos ou mesmo caminhos que já percorremos e nos machucamos, exige um ritmo que seja confortável, um ritmo que você possa conter e onde você possa ter tempo de colher os frutos da experiência.

E lembre – se você vai se lançar a mil metros de altura, não custa nada levar um para quedas e se assegurar que alguma saída de emergência esteja disponível. Ser previdente não é feio, estar congelado em si mesmo, no seu mundo e no seu formato de viver este mundo, sem arriscar nem uma unha, isso sim é triste. Porque a vida guarda uma surpresa a cada esquina, que só é revelada a aqueles que se arriscam avançar APESAR do medo!

Ser corajoso não é ser destemido, isto é, não ter medo. Ser verdadeiramente corajoso é fazer o que precisa ser feito, apesar do medo.

E aí, vamos subir a montanha???