Ser um “Ser” humano é mais do que traçar metas e ter objetivos. A grande viagem de ser humano e ter esta testa elegante de que nos dotou a criação para dar espaço à parte “nobre” de nosso cérebro tri-uno, o Neocórtex – é a capacidade de pensar, achar significado nos acontecimentos e, mais do que tudo, SONHAR.

A capacidade de sonhar nos faz diferentes dos outros seres sobre a Terra. Sonhar acordado, eu digo. Projetar o que não existe – uma estrada, uma casa, uma empresa, uma relação, algo que não existe ainda.

Vale dizer que, de um ponto de vista simplista, isso complicou extremamente as coisas. O que antes era apenas sobreviver, isto é, comer, se abrigar, procriar e se proteger, virou uma intricada rede de necessidades diversas, alavancadas à milésima potência pela diversidade de escolhas que possuímos.

Viramos seres insaciáveis, incapazes de olhar o que temos ou a abundância ao nosso redor, e pregamos nossos olhos nas ausências, de forma a não sentirmos o vazio. Ficamos incapazes de ficar no vazio. Seja para deixar a “terra íntima” descansar até que o próximo ciclo se apresente, seja para perceber possíveis áreas de mudança, seja para ficar triste e processar o vazio através do criar. Ficamos como crianças viciadas em açúcar.

Se olharmos a natureza, o movimento é sempre de alturas & vales ou ying e yang, diriam os sábios chineses. Aliás, foi a sabedoria do I Ching que já disse a centenas de anos atrás: “Nenhum movimento se mantém para sempre. Cada movimento chega a um ápice e muda em seu contrário.” Assim a sabedoria consiste em saber que um movimento – positivo ou negativo – tem um ponto de mutação onde se dirige para a direção oposta. Na natureza tudo é assim: inspirar/expirar; dia/noite; maré cheia/maré vazante; os movimentos das luas, dormir/acordar; saciar/ter fome, enfim, o preencher e o refluir sempre seguem um ao outro.

No processo de consciência é a mesma coisa. Às vezes temos percepções (ou insights) que mudam tudo. Colocamos “aquela” peça no lugar e compreendemos todo o nosso quebra-cabeças de cinco mil peças interno. Deste ponto privilegiado olhamos nossa vida em perspectiva e tudo – tudo! – faz sentido. Defino esses momentos como “experiências de Nirvana”. Ninguém mais nos segura, tudo mudou dentro e fora, um novo ciclo começou. Delícia, movimento, ação.

Mas isto também passa, porque acomodamos essa nova consciência e nos acostumamos tanto com o novo “formato” de nossa nova consciência que, sem o contraste do NOVO, paramos de ver a mudança e de nos alegrarmos com ela. Já começamos a puxar o próximo ciclo de nosso processo de crescimento – não nos damos o tempo de “ampliar o vórtice de cura” e perdemos noção de que somos sim, seres mais felizes e leves.

Porque somos todos viciados nos “picos” e detestamos os “vales” da paisagem da vida. Mas, Queridas Pessoas, sem períodos significativos nos Vales, cavando a terra, buscando os ossos e partes perdidas, a base não fica sólida o suficiente para sustentar as alturas dos Picos. O ciclo ideal seria: Picos + Platôs + Vales. E repetir, e repetir e repetir.

E veja, às vezes uma área de nossa vida está numa fase do ciclo e outra num lugar diferente. Por exemplo, estamos no pico da vida afetiva e num vale na vida econômica. Estamos num pico de saúde e num vale na área profissional. Estamos num pico na vida familiar e num vale na área das amizades. E assim por diante. Não dá para ser bom em tudo, o tempo todo. Existe sempre um equilíbrio. Ou QUASE sempre existe um equilíbrio entre presenças e ausências. Porque, concordo com você, têm períodos que parece que estamos atravessando a “noite escura da Alma” e que quase todas as áreas de nossa vida entram em colapso, através de Vales que parecem não ter fim. Quando saímos do outro lado, somos como pessoas perdidas que atravessaram um deserto sem água e sem camelo e, incrivelmente, SOBREVIVERAM para contar a história! Uma história de perdas, redenção, aprendizados diversos e profundos.

E tem aquelas pessoas, devo admitir com tristeza, que são derrotadas pelas próprias escolhas. Aquelas pessoas que foram vencidas pela vida e que você olha e sabe que precisam morrer e re-encarnar de novo para poderem ter a chance de consertar o que está tão corrompido que não tem mais jeito. Pesada esta frase, não é? Num filme que eu adoro, “Sob o Sol da Toscana”, uma das personagens se refere a este tipo de pessoas como uma “concha vazia”, pessoas que nunca conseguiram se recuperar das “noites escuras da Alma” que suas escolhas ou as escolhas dos outros as levaram.

Mas para isso, algo muito grande precisa acontecer, porque temos um “desenho” feito para a recuperação, a saúde e a felicidade. Basta dar um pequeno estímulo e a pessoa vai agarrar a chance e re-escrever sua história. Com alguma ajuda dos seres amados, de um profissional do cuidado, de uma instituição, uma pessoa em dificuldade pode de novo “rebrotar” de dentro de si mesma e florescer ainda mais radiante, porque traz consigo a memória de ter estado num lugar escuro dentro e fora de si mesma e ter sobrevivido para ser um testemunho da força que é Ser Humano Que Sonha. É o nosso “estopim dourado” como chama Clarissa Pinkola Estés em seu estupendo pequeno-grande livro Ciranda das Mulheres Sábias. A parte nossa que nunca morre, que rebrota após ciclos do que parece uma destruição sem volta.

Outro dia o querido Professor Autorizado Florais da Deusa, Alessander Palma me perguntava como alguns seres humanos têm uma profunda resiliência e plasticidade diante de traumas severos, (traduzindo em miúdos, capacidade de sobreviver e se re-inventar) enquanto outros nunca se recuperam de coisas muitos menores. Ele falava de uma pessoa que passou por traumas profundos de todos os tipos imagináveis e inimagináveis e, no entanto, é uma senhora feliz e sorridente, cheia de amor em seu coração. Qual é o mistério, me perguntava ele. Porque alguns são derrotados e ficam congelados por tão pouco e outros parecem voar acima do lodo de seu passado, como flores de lótus que florescem radiantes e intocadas acima da lama? E eu respondo a este parceiro de Caminho através deste post: porque são pessoas que são gratas por terem sobrevivido. Não ficaram “chorando sobre o leite derramado”, continuaram conectadas e atentas às presenças ao invés das ausências. São pessoas que não questionaram ou fugiram do vazio, elas viveram o vazio e lá encontraram aquela força que anima sua presença no mundo para sempre. Se você conversar com estas pessoas, você vai ver que elas sobreviveram porque SONHAVAM um futuro diferente para si mesmas. Ardentemente, todos os momentos, obsessivamente. Ao invés de se focar no pensamento “não tem jeito”, elas se focaram no “tem que ter um jeito!”, obsessivamente, todos os dias de suas desafiantes vidas. Elas não desistiram, elas não perderam a esperança, elas nunca deixaram de sonhar. Elas continuaram conectadas com o “vórtice de cura” e, mais do que tudo, elas continuaram conectadas com as outras pessoas.

E, temos que reconhecer também que existem pessoas que são “feitas” e “animadas” por uma força divina ou sobre-humana que transcende esta encarnação, sendo o resultado do amálgama que reúne as experiências de força e de sobrevivência de muitas vidas.

A mestra indiana Ama, por exemplo, tem histórias terríveis de traumas em sua vida. E, no entanto, é uma força da natureza que movimenta um dos maiores projetos assistenciais do planeta e que é capaz de ficar horas e horas abraçando pessoas. Uma amiga que foi abraçar Ama quando ela esteve no Brasil me disse que se sentiu diluindo num “mar de amor” durante o abraço e que isso a transformou profundamente. Ama, uma lótus pura de amor, nascida e florescida num lodo de dificuldades.

Todas as pessoas que criaram fortes e profundos sistemas de cura ou que trouxeram novas visões ou obras de arte têm histórias de traumas severos em seu passado. Se você falar com cada uma delas, saberá que elas nunca pararam de SONHAR com um futuro diferente. Obsessivamente, todos os dias de suas vidas.

Então, Queridas Pessoas, três recomendações hoje:

1. SONHE (ousadamente).

2. COLOQUE O FOCO NO QUE EXISTE DE BOM EM SUA VIDA (obsessivamente e agora!).

3. SAIBA QUE DEPOIS DE UM VALE, VEM O PICO DA MONTANHA. Subir e descer faz parte da mesma estrada e do mesmo aprendizado. Portanto, RELAXE no que quer que esteja acontecendo com você neste momento. Bom ou ruim, isso também passará e dará lugar ao seu contrário. Este contrário também passará… e assim segue a vida no seu curso de ciclos. E quando um esvazia, pense que é justamente este espaço de NADA entre dois passos, que permite que o NOVO se estabeleça.

Para finalizar, uma linda bênção irlandesa, compartilhada pela querida Ângela Ghazal:

“Que o caminho seja brando a teus pés e o vento sopre leve em teus ombros. Que o sol brilhe cálido sobre tua face e as chuvas caiam serenas em teus campos. E até que eu de novo te veja, que Deus te guarde nas palmas de Suas mãos.”

E eu acrescento: bom dia hoje e que a vida seja boa, farta e cheia de significado para você!