Em todas as áreas de nossa vida ocupamos diferentes papéis. Tanto nas relações pessoais, como profissionais e comunitárias, desempenhamos Papéis onde nossa Pessoa está presente. De modo geral, isso funciona bem, mas às vezes precisamos vir para frente com o Papel para proteger a Pessoa.
Você vai me dizer: ãhn??? Diferenciar Pepel e Pessoa, como assim? Ou talvez você se pergunte onde isso pode ser um problema.
Vamos dar alguns exemplos práticos: quando você recebe uma pessoa da família para trabalhar em função hierárquica menor ou maior que você; quando você é professor e um de seus alunos transforma-se também em seu colaborador; quando você tem uma profissão de cuidado, como médico ou terapeuta, e alguém que faz parte da sua vida vem ser seu paciente/cliente. Nestas horas, é adequado e saudável para a relação que você atue e venha “para frente” com seu Papel e não com sua Pessoa. Senão os elementos que fazem parte da relação desequilibram a equação de poder sadio que deve se estabelecer. Traduzindo: uma confusão danada!
Igualmente, o seu Papel protege você das dificuldades da sua Pessoa. No ano passado fui procurada por uma atriz/bailarina para um Aconselhamento de Estratégias. Ela tinha grande dificuldade com os testes para novos trabalhos. Ficava tão nervosa, que acabava boicotando excelentes oportunidades. Além de ajudá-la com o floral Eu Posso, Eu Sou e com o Pronto Socorro antes dos testes, pedi a ela que usasse a estratégia de vir para frente com o Papel que ocupa, deixando a Pessoa lá no camarim. Explico: vir para frente com o Papel de Atriz e Bailarina. Para ajudá-la, pedi que elegesse alguns acessórios que sua Pessoa normalmente não usaria: uma pulseira ou sapato, uma echarpe, algo que simbolizasse a caracterização da passagem da Pessoa para o Papel. Funcionou lindamente.
É como o executivo que vai ao trabalho de terno, com os acessórios adequados, a maleta adequada, o cabelo adequado, o computador adequado e faz seu trabalho adequadamente também. Mas ele é surfista e no final de semana põe sua bermuda folgada e camiseta cheia de estampas e cai no mar levando junto toda a sua Pessoa.
Veja bem, vamos fazer uma diferença importante aqui: não estou aconselhando você a ATUAR, isto é, fingir ser quem você não é. Obviamente que no Papel também tem a Pessoa e vice-versa, mas há fronteiras tênues onde você deve proteger a sua Pessoa com seu Papel. Porque isso garante uma dinâmica saudável nos relacionamentos. Concordo com você que é um tema de difícil compreensão. Vamos a mais alguns exemplos.
Frequentemente pessoas que trabalham com cuidado como eu, por exemplo, costumam olhar seus colegas de trabalho e até mesmo seus funcionários, amigos e família com o olhar do profissional do cuidado: cheio de compaixão por um lado, mas cheio de julgamento por outro. Isso muda a forma que você vê as pessoas e afeta a relação, porque coloca o Poder no lugar errado.
Da mesma forma e vendo o outro lado, se o seu amigo, familiar ou funcionário lhe vê como cuidador, ele vai entrar com o papel da Criança na relação e não do Adulto que pode dar conta de si mesmo. Muitas pessoas sentem-se sobrecarregadas nas relações porque estão carregando, literalmente, dois Papéis no lugar de um. Exemplo: se você vê seu companheiro amoroso como filho ou filha, esse “papel” fora do lugar desequilibra a relação saudável de Poder nesta relação. A necessidade dele ou dela por cuidado extrapola as fronteiras do seu Papel de companheira/companheiro. Delicado, não?
Por isso talvez seja tão adequado que psicólogos e psiquiatras não atendam pessoas amigas, pessoas da mesma família ou mesmo que permitam que o paciente entre na sua vida privada. Porque é muito difícil manter todos os Papéis e Pessoas em gavetas totalmente separadas, porque estes Papéis e Pessoas interagem entre si.
Quando você está em grupo, seja profissional, de estudo ou pessoal, precisa dar uma olhada se você não está se sentindo “mal cuidado” porque está atuando a Criança ao invés do Adulto. Uma pessoa, por exemplo, que resolve seus conflitos profissionais dando um “ataque” de choro diante de um chefe pasmo e constrangido, está atuando a Pessoa – neste caso sob a ação do arquétipo da Criança Ferida, deixando de proteger-se no Papel que ocupa e talvez dando uma ideia errada sobre sua competência e equilíbrio.
Outro exemplo de uma invasão da Pessoa no Papel: imagine um paciente que chega para a psicoterapia e começa a falar de algo que lhe aconteceu e o psicólogo toma a palavra tipo – “eu sei exatamente como você se sente, comigo aconteceu igual…” e começa a contar uma história comprida de algum trauma importante que lhe aconteceu. Aplique isso a outras situações – e ficará mais fácil entender a importância do equilíbrio entre Papel e Pessoa no exercício de um Poder Saudável em todas as relações interpessoais.
Da mesma forma, se o paciente começa a projetar o Pai ou a Mãe no psicólogo ou psiquiatra, se este não souber usar esta transferência de forma positiva no andamento da terapia, isto é, se ele cai no erro de ocupar o “papel” de um dos progenitores na relação terapêutica, isso pode ser muito danoso para ambos.
Mais um exemplo: se nosso escritório é em casa e atendemos nosso cliente descabelados, cheirando a cebola e de pijamas, certamente estaremos misturando Papel e Pessoa e, muito provavelmente, dando uma impressão de pouco profissionalismo e confusão.
E veja, quando estamos passando por crises emocionais e pessoais, refugiar-se em nosso Papel – profissional é o mais comum – nos ajuda a ter um “respiro” na dor e ocupar a mente com outras coisas. Essa é uma das funções do Papel – dar um “respiro” na carga emocional.
Mas a Pessoa que somos é também todos os Papéis que ocupamos nas diferentes áreas de nossa vida. O segredo é trazer o Papel para frente, porém SUSTENTADO pela Pessoa que você é. Então você traz as intimidades e pessoalidades para as relações onde isso é adequado – família, amores, amizade. E preserva isso do resto. Não que você não compartilhe a sua Pessoa quando isso é adequado, pois nossa Pessoa é parte intrínseca de nosso Papel – mas fazemos isso de forma moderada, de modo a preservar o equilíbrio do Papel que cada um ocupa na sua relação.
A Pessoa “anima” o Papel. É como a Alma que anima um Corpo. A Energia que anima o Sistema. O Sangue que irriga todas as células. O Papel não vive sem a Pessoa e a Pessoa pode proteger-se e resguardar-se no “guarda-chuva” dos Papéis que a definem, sabendo que nenhum Papel traduz completamente tudo o que esta Pessoa É.
Então, Querida Pessoa, use o Papel para protegê-la, nunca caia na armadilha de confundi-lo com o que você É. Na relação Pessoa x Papel, é a Pessoa que manda. O Papel é só o “guarda-costas” que mantém todas as fronteiras dos relacionamentos guardadas, seguras e saudavelmente bem definidas.
Incrível essa reflexão! Há pouco mais de um mês me perdi no papel x pessoa no meu trabalho. Meu chefe solicitou uma transferência de instituição. Aceitei de pronto. Permaneci por menos de duas semanas. Telefonei para meu chefe dizendo que voltaria, que não tinha me adaptado. Quando retornei e fui conversar com ele, tive uma crise de choro – expondo toda a fragilidade e a falta de habilidade em exercer aquela função e nenhuma outra! Ele ficou pasmo “não sei o que dizer”, disse ele. Tamanha a surpresa da minha exposição fragilizada.
Dias depois, me ofereceu outro lugar de trabalho, me incentivando, dizendo para eu confiar em minha capacidade, me transmitindo apoio.
Estou agora em outra instituição ocupando uma nova função, desde o início de setembro. Passei dias e noites em conflitos enormes duvidando da minha capacidade. Tenho me esforçado para desenvolver bem a nova função. Aprender, reaprender, reconsiderar, ter responsabilidade, tranquilidade e confiança. Além do trabalho em si, tem sido conteúdos presentes nessa fase da minha vida.
Muito apropriado mesmo o tema: “Papel e Pessoa”.
Grata Cler!
Grande abraço! Tere