(“Dharma” numa tradução livre do sânscrito é “bênção” e “Karma” é aprendizado.)
Peludo é este gato preto de olhos profundos, pelo sedoso preto com “botas” brancas nas pontas das patas. Este nome demos “enquanto ele não era doado, para não nos apegarmos”. Como ele já tem quase 13 anos, você já imagina que esta estratégia não funcionou.
Nesta época em que eu não sabia do vírus da Leucemia Felina (que os gatos machos pegam quando brigam), eu deixava meus gatos adultos sem castrar por um curto período, para que tivessem a chance de “espalhar suas sementes”. Hoje tenho mais consciência de que o mundo de fato tem gatos mais do que suficientes.
Peludo desde cedo se revelou um reprodutor feroz. Jovem adulto recém e já sumiu de casa por sete dias, voltando com um ferimento de mordida no majestoso rabo negro, que tinha gangrenado e atingido a medula. Resultado? Perdeu o rabo. Mas não a pose. Seguiu um “macho” muito ativo.
Pois há uns dez anos atrás, quando a cirurgia de castramento dele já estava marcada, alguém o atingiu na cabeça e o fez passar por alguma situação muito estressante, é provável que tenha ficado “atocaiado” por este alguém. Ele voltou para casa não sei como, com a cabeça amassada, completamente desorientado, as pupilas completamente dilatadas (sinal de grande stress num gato e na gente também) e dando uns miados de filme de terror. Peguei o bichinho e fui voando para o Dr. Gustavo, o veterinário que cuida de nossos animais. Ele estava com traumatismo craniano e ficou “travado”, congelado no pavor. Eu cogitei uma eutanásia, pois não aguentava ver o sofrimento dele. Mas o Dr. Gustavo pediu para esperar uma semana. Pois ele foi aos poucos se recuperando. Quinze dias depois teve uma repetição, como se estivesse de novo na situação apavorante. Nova corrida no veterinário e era um mistério, parecia uma espécie de AVC (derrame). Novamente cogitei a eutanásia, pois vê-lo assim cortava meu coração. Mas, outra vez fui convencida a esperar (santo Dr. Gustavo!).
Encurtando a história: bem lentamente o Peludo foi se recuperando, trazendo de volta toda a sua doçura (ele ama crianças e carinho!). Ele ficou surdo, sem a visão central, com um “cocoruto” na cabeça, não consegue saltar (se você o soltar ele cai de cara no chão), anda meio de lado, meio aos círculos e – agora vem o motivo de eu chamar o Peludo de “Karma Cat” – em vários momentos do dia e da noite, ele mia loucamente, como se estivesse com uma gata no cio por perto e para sempre. Sem falar que persegue minhas velhas e aposentadas gatas com intenções namoradeiras. E, gente, mia ALTO, muito alto. Eu, que amo o silêncio, fico quase louca. Fico pensando que como prêmio, ele ganhou sete vidas adicionais, porque vocês não imaginam por cada perigo este gato passou. Porque ele ama a vida, precisa ver o ar de contentamento desta criatura.
Certa vez eu viajei com toda a família e quando voltei, ele não estava. Eu tinha tido problemas com a drenagem do meu terreno e numa chuvarada braba, tive que fazer um buraco pequeno no muro para a água escoar. Por aí se espremeu Peludo-o-gato-aventureiro, certamente atrás de uma gata imaginária. Só que atrás da minha casa tem um pasto e uma mata de preservação permanente. Como se procura um gatinho surdo? Procurei muito, mas não achei. Ele ficou sumido por três dias e aí eu tive a dimensão do quanto amava meu “karma cat”. Na terceira noite, eu acordei umas quatro da manhã, sentei lá fora pensando no Peludo e rezando que Bast, a Deusa Gato egípcia e os elementais daquela floresta ajudassem o Peludo-desorientado a achar sua bússola interna onde o Norte fosse a nossa casa. Daí ouvi “aquele” miado alto, lá longe. Ai-meu-Deus, como se chama um gato surdo, de pelo preto, no meio da noite escura? Subi no muro alto e fiquei abanando as mãos feito gente que fica perdida numa ilha e vê passar um avião. Rezando, rezando “vem, meu gatinho, vem pra casa meu amor”. (suspiro) Ele me viu e veio, meio de lado, meio caminhando, meio correndo. Estava magro, sedento e faminto, mas vivo!!!
Depois disso, apesar de estarmos sempre de olho nele, ele já fugiu pelo portão umas três vezes, ficou escondido no meio de uns matinhos para fugir de um cachorro. Noutra ocasião ficou mais dois dias desaparecido e foi encontrado no porão do vizinho da frente. Não, vocês não tem noção dos perigos e preocupações que este rapaz me dá. Nem ele, nem ele…
De manhã, enquanto faço minhas práticas de meditação ele se enrosca em mim e ronrona, e se lambe e se lava e, de repente, se atrapalha nas ações e me arranha ou morde, me confundindo com algum perigo imaginário, para em seguida dar um miadinho baixo, e voltar a ser esta doce criatura que ele veio para ser. Este é o Peludo, meu amado “Karma Cat”.
O que eu aprendo com ele? A arte da paciência, do cuidar. E que ter um gato ou qualquer outro bicho de estimação, é responsabilizar-se completamente por ele, na saúde e na doença, até que ele parta para uma nova existência num corpo novinho em folha.