O ritual do Bode Expiatório está presente em diferentes tradições:
O bode expiatório era um animal que era apartado do rebanho e deixado só na natureza selvagem como parte das cerimônias hebraicas do Yom Kippur, o Dia da Expiação, a época do Templo de Jerusalém. Este rito é descrito na Bíblia, o livro do Levítico.
Na Torá dois bodes eram levados, juntamente a um touro, ao lugar de sacrifício, como parte dos Korbanot do Templo de Jerusalém. No templo os sacerdotes sorteavam um dos bodes. Um era queimado em holocausto no altar de sacrifício com o touro. O segundo tornava-se o bode expiatório, pois o sacerdote punha suas mãos sobre a cabeça do animal e confessava os pecados do povo de Israel. Posteriormente, o bode era deixado ao relento na natureza selvagem, levando consigo os pecados de toda a gente, para ser reclamado pelo anjo caído Azazel.
Na teologia cristã, a história do bode expiatório no Levítico é interpretada como uma prefiguração simbólica do autossacrifício de Jesus que chama a si os pecados da Humanidade tendo sido expulso da cidade sob ordem dos sacerdotes. Temos aquela passagem da figura do Messias sendo enviado ao Deserto e lá sendo tentado pelo Diabo.
Outra visão muito popular no cristianismo compreende que os dois bodes são símbolos de Cristo e Satanás, uma vez que a expiação propriamente dita se realiza com a morte do primeiro bode e como não existe expiação sem “derramamento de sangue” (Hebreus 9:22,23), não há expiação pela morte do segundo bode, que apenas é levado para o deserto e morre à míngua. Ele representa Satanás (ou Azazel, seu braço direito, um demônio do Deserto) que é enviado ao abismo por 1000 anos, onde refletirá sobre a obra maléfica que realizou contra os seres humanos.
A dinâmica do Bode Expiatório está presente em muitos grupos, especialmente os familiares. O Bode Expiatório é a “ovelha negra” que carrega os pecados do Sistema e permite que um Sistema disfuncional se mantenha coeso. Ele se sacrifica, ocupando o lugar de quem carrega todas as culpas, espelhando o que é “errado” para que os outros possam se sentir “certos” e funcionais. Quando chega ao ponto de ser banido, ele segue sendo o depositário do “errado”, para que com aquele drama de banimento, os “certos e justos” levem adiante o Sistema.
Voltando à dinâmica do Bode Expiatório. Nela estão sempre envolvidos três papéis:
– A Vítima
– O Perpetrador
– O Defensor.
Num grupo, o Perpetrador pode ser o grupo todo. A Vítima é o que recebe toda a energia do “você é errado, você é o culpado, você é inadequado, e quando você sair, este grupo vai ser muito melhor.” O Perpetrador é o que faz voz, acusa e nomeia o que parte ou grupo todo está sentindo. Ele tanto pode ter sido ele mesmo o Bode Expiatório em sua própria família e agora quer tomar a dianteira e se assegurar de que faz parte dos “certos e justos” desta vez. Ele pode simplesmente ter questões de ego ou de autoridade, e então escolhe atuar o papel do Perpetrador. E sempre aparece o Salvador, o que vem em defesa da Vítima, o “peraí, não é bem assim”. Ele se compadece da Vítima ou se coloca no papel do “justiceiro, o que defende a honra e o certo”, pois provavelmente já esteve também naquele lugar ou, simplesmente, é uma pessoa alinhada com o arquétipo do Salvador. Muito interessante observar que o Defensor SEMPRE será o próximo Bode. Sim, porque a dinâmica é interminável e é assim que muitos bons grupos, com excelentes intenções, finalizam em dor, sofrimento e traumas. O banimento do Bode Expiatório cria um espaço de respiro, todos sentem um “ah, agora sim, tudo resolvido!”. O grupo parece funcional. Mas se houve um processo de Bode Expiatório ali, este não é nem de longe um grupo funcional. E o próximo Bode começa a se alinhar – o Defensor. Porque quando ele se destacou da maioria e fez uma voz de resistência, ele se alinhou com a energia persecutória que envolve esta dinâmica, ele se destacou e começou a ser o “diferente”.
Na história temos muitos exemplos de Bodes Expiatórios, inclusive de povos inteiros que foram colocados neste lugar: as bruxas e curandeiros nos tempos da Inquisição; os Judeus na segunda guerra, e minorias como os negros, os homossexuais e as mulheres ainda hoje em dia.
O arquétipo do Bode Expiatório está profundamente enredado com a nossa cultura de “procurar culpados”, de “pecadores”, do “tem que caber e ser o que aquela sociedade definiu como normal”.
Você reconhece esta dinâmica, Querida Pessoa? Se sim, cuidado com ela, pois é um ciclo repetitivo e interminável de sofrimento.